sábado, 3 de agosto de 2013

Colocando luz na leitura


Em tempos de PNAIC (Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa) é sempre bom manter a acesa a chama sobre a competência leitora do brasileiro.
Chamou-me a atenção a manchete: "Maioria dos consumidores lê rótulos de alimentos, mas parte deles não entende" referente a uma matéria publicada no site da Folha de São Paulo, seção Equilíbrio e Saúde. É claro que o foco da matéria não é dizer que o consumidor não sabe ler e sim, criticar quem publica tais informações, apontando que elas não estão chegando como deveriam em quem consulta os rótulos. No entanto, como educadora, não podia deixar de deitar meus olhos sobre a forma como os consumidores acessam os conteúdos de um rótulo. Sim, há um tanto de informações técnicas que um leigo não alcançará da mesma forma que um especialista em nutrição, mas o que me incomodou foi a construção frasal das informações que, ao meu ver, não tem nada de específico, a não ser o fato de carecer de estratégias de leitura para localizar e inferir informações.
Vejamos um exemplo, trazido pela própria matéria:

"O indivíduo observa que o alimento supre 25% da recomendação diária de uma substância numa dose, mas não tem noção do que é isso" 

Não entendo que o problema seja apenas de ordem técnica, ou seja, o leitor pode não compreender o impacto do consumo da referida dose da substância no organismo, pois isso envolve conhecimentos específicos de nutrição, mas deveria compreender que num universo de 100% (correspondente à recomendação diária) ele, consumindo aquele alimento, terá que observar os próximos produtos que consumirá, pois já alcançou 25%. Deverá interpretar também que, se comer 4 porções deste alimento, terá alcançado a cota recomendada. Este entendimento tem mais relação com a capacidade leitora do que com os conhecimentos técnicos e de educação alimentar.

Podemos fazer um pequeno e rápido exercício, analisando um rótulo:



Tirei esta informação da embalagem de leite que estava dando sopa na pia de casa. Olhando friamente, verificamos o título (INFORMAÇÃO NUTRICIONAL) que já traz o indicativo principal do que encontraremos no conteúdo do texto. Neste caso, não precisamos acionar a estratégia de inferência. O corpo do texto está organizado em forma de tabela, assim precisaremos, certamente, conhecer este gênero para saber como lê-lo e localizar as informações que desejamos. Quando falo tabela, para quem conhece o gênero, uma série de informações nos vem à mente, pois acionamos saberes previamente construídos sobre este tipo de texto. Dessa forma, sabemos o vamos encontrar na estrutura geral e assim, articularemos os elementos, para precisarmos as informações. Sendo assim, temos dados distribuídos em colunas e linhas, organizando a natureza da informações, relacionando itens e seus referentes. O leitor precisa coordenar colunas e linhas para identificar e/ou localizar a informação necessária.
Aparentemente simples, mas requer certo conhecimento para acessar o conteúdo, bem como procedimentos adequados, os quais devem ser objeto de ensino de leitura, sobretudo no Ensino Fundamental.
Não basta "ensinar" aos alunos no formato canônico: texto, perguntas, resposta, correção. Isso é pressupor que o papel da escola é ensinar a decodificar, pura e simplesmente. Procedimentos e estratégias de leitura DEVEM ser ensinados. Como mergulhar nos diversos gêneros textuais DEVE ser ensinado na escola.
Não me lembro disso em meu processo de aprendizagem. Como citei acima, assim que aprendi a decifrar palavras, fui convidada a ler texto simples e cartilhescos e a dar as respostas esperadas. Sem discussão, sem análise, sem confronto e contraponto. Esta forma de "ensinar" acompanhou muitos da minha geração. Talvez isso explique a manchete que inspirou este texto.
Voltando ao cerne da matéria, em que os especialistas buscam formas de expor a informação de maneira mais acessível (incluindo imagens e código de cores), faço um apelo à escola: já está mais que não hora de ressignificar o ensino da leitura, considerando-a em toda sua complexidade. Ensinar a ler é oferecer elementos e instrumentos para que o aluno saiba como encontrar num texto aquilo que resolverá um problema posto. Reforço que ensinar a ler, não é treinar nem cobrar do aluno respostas (explícitas ou implícitas) nas denominadas atividades de interpretação textual. O aluno-leitor, inexperiente que é, precisa de desafios possíveis, bons modelos, engajamento e vivenciar situações de leitura com as quais se confrontará no cotidiano. Assim, quem sabe num futuro próximo, tenhamos matérias que digam que os rótulos precisam ser qualificados porque o leitor brasileiro é exigente e não aceita informações supérfluas e vazias, e não porque não entende o que lê.


Leia aqui a matéria na íntegra.
http://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2013/08/1321029-maioria-dos-consumidores-le-rotulo-de-alimento-mas-parte-deles-nao-entende.shtml

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