terça-feira, 29 de outubro de 2013

Bem aventurados os que leem!

http://belavistanews.wordpress.com/tag/filme/


Sempre que assisto ao filme "O livro de Eli" consolido minhas convicções sobre o poder conferido a quem tem acesso ao conhecimento. No entanto, não se trata de qualquer tipo de acesso, pois existem várias maneiras de construirmos conhecimentos e checarmos a eficácia de nossas hipóteses; há vários caminhos para conseguirmos informações. O tipo de acesso comunicado neste filme é a leitura. Mais precisamente a leitura de um determinado livro.
http://fimdomundo.me/2012/12/13/o-livro-de-eli-o-livro-de-poder/
Carnegie, líder perverso e ambicioso de seu vilarejo, devastado pela guerra empunhada pelo poderio humano, vivido pelo ator Gary Oldman, tem a ideia fixa (e ele está certo a meu ver) de que seu domínio será irrestrito e intransferível quando colocar as mãos e ter sob sua custódia um certo livro, cujas histórias convencerão seus súditos de que ele (Carnegie) tem as respostas para seus dramas, para a sombra em que vivem. Carnegie vê neste livro a possibilidade de acessar informações que possam seduzir a comunidade que lidera a segui-lo cega e silenciosamente.
Alguns detalhes da obra corroboram para fortalecer o plano de Carnegie: somente o ditador sabe ler. Resultado: ainda que saibam do livro, os pobre servos não traduzirão o emaranhado de palavras ali presentes. Terão de confiar no "Mestre".
Era exatamente neste ponto onde eu queria chegar.
Há todo um discurso pronto na sociedade de que ler é importante e fundamental. Campanhas publicitárias invadem rádio, televisão e revistas conclamando a todos para que leiam. A escola faz deste objeto de ensino, a leitura, sua razão de existir.
No entanto pouco se fala da ascensão ao poder quando sabemos ler. Para além da possibilidade de viajar sem sair do lugar, de dar asas à imaginação, ler ingressa o leitor à sociedade do conhecimento e da informação. Muito mais que dar respostas, ler impele a fazer perguntas, a questionar as tantas verdades que um dia alguém "mais sabido" nos impôs.
Quando falo "ler", ultrapasso as cercas da decifração, estratégia indispensável no ato da leitura. Falo do mergulho investigativo que estabelece relações com outros textos e outras experiências (sim, experiências são preciosas no processo de construção de sentidos) e emerge reticências para novas combinações e significados. Falo da leitura que revela o dito e o não dito. Falo da leitura que provoca a busca por outras leituras, bem como pelo desejo de não ler.
http://pipocamoderna.com.br/o-livro-de-eli-leva-a-biblia-para-o-pos-apocalipse
Esse tipo de leitura permite ao leitor muito mais que o poder, mas a flexibilidade de ir e vir, de agregar e desconstruir, sem desfazer da versão que o outro traz, mas com a plena capacidade de compreendê-la e reeditá-la.
E salve o Dia do Livro Nacional (29/10) !!!!!

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

A pá lavra!

Já reparou como algumas palavras se comportam de acordo com o que significam?
Nunca havia pensado nisso antes, mas ao dizer SORRISO e sentir meus lábios se abrindo e os cantos da boca tomando distância de um lado a outro, percebi que a palavra SORRISO confere o riso aos lábios. Diga SORRISO em frente ao espelho. Se puder articule exageradamente os lábios. Você flagrará um sorriso de fato, natural, inclusive.
SINCERIDADE traz exatamente a leveza que sentimos aos sermos verdadeiros (ainda que doa no outro). Tirar dos ombros a carga do incômodo é um alívio, o que só possível com sinceridade. Dizer SINCERIDADE elimina tanto ar durante a pronúncia quanto dizer a verdade elimina o peso na consciência.
(Leslie Ann O'Dell)
TOLERÂNCIA parece um pêndulo. A língua sobe e desce num baile de atitude e espera. Pronunciar TOLERÂNCIA nos faz compreender o que é aceitar o tempo necessário para concluir a fala e o pensar. Ao findar a pronúncia da penúltima sílaba, já não temos mais o desejo de impor nossa vontade, sem antes conhecer o que vai no pensamento alheio.
LUZ te projeta  tal como a lâmpada que se acende e espalha luminosidade sobre o breu imperante. O prolongamento impresso aos lábios quando se fala LUZ revela a verdadeira dimensão desta fonte de energia quando necessitamos de força, coragem, proteção.
LIVRO liberta.
PARTO rompe.
PERFUME volatiza.
ESTRELA revela.
CHORO molha.
PIANO cala.
MANTEIGA escorrega.
SILÊNCIO sossega.
E assim, uma infinidade de proposições podem materializar o pensamento numa palavra que se diga.
E deve haver uma cumplicidade entre palavra e poeta. O poeta sabe exatamente que palavra escolher para seduzir o leitor a enxergar o que ele quer dizer.
Amo as palavras pela oportunidade que nos oferecem de brincar com os sentidos, de dar forma ao pensamento e, ao leitor, o direito de edificar o que melhor lhe servir.

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

É preciso falar o que queremos dizer!

(Afshin Pirhashemi)
Comunicação é o que salva o ser humano do isolamento ao mesmo tempo em que pode afastar os falantes que ocupam um mesmo espaço. Se não cuidarmos de potencializar um diálogo construído sobre a trama da diversidade conceitual, que compõe as entidades pensantes, seremos fadados ao silêncio barulhento e massacrante daqueles que falam e não se fazem ouvir.
Arranjar as palavras para que deem corpo ao pensamento, num processo instantâneo e coletivo, pode conjugar dizeres agregadores que nos confraternizam numa mesma comunidade. Ou não, pode levar ao recrudescimento da arte de se comunicar, encaminhando para posições radicais, dicotomizando pareceres entre aqueles que, pela natureza do lugar que ocupam, precisam comungar das mesmas palavras, ainda que concepções díspares caracterizem seu fazer enquanto personagens históricos.
A mesma frase que edifica uma proposta, tende a demolir estruturas construídas em bases pouco consistentes, fruto de um emaranhando de palavras divergentes emitidas por um time que acredita investir em ações que levam a bola a balançar a rede do gol.
Comunicar implica escolhas delicadas. Escolhas não só de palavras, mas de combinações e instrumentos. Escolhas que podem criar ou desconstruir.
Que a escolha não seja por descuido, mas por uma decisão emergente, cuja seta indicadora nos leve ao cerne do que queremos conquistar, seja isto, criar, recriar, até mesmo desconstruir. 
Que a escolha não seja inocente, mas prudente. Que provoque quem houve e lê a tirar suas próprias conclusões, mas que entenda onde o escritor ou falante desejou alcançar.
Que escolha nos convoque ao dialogismo produtivo, apagando o palavrório paralisador que ocupa nosso tempo precioso quando temos de discursar expressões do tipo "não foi bem isso que eu quis dizer", "você está colocando palavras na minha boca" ou "foi isso que eu disse, só que com outras palavras".
Já dizia o Velho Guerreiro: "quem não se comunica se estrumbica" e de "estrumbicação" estamos fartos!

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

O caipira com Antonio Candido

Uma das ferramentas mais eficazes para combater o preconceito é o acesso à informação (de fontes fidedignas) e ao conhecimento.

Você sabe o que é um "R retroflexo"?
Você ri quando alguém diz "armoço" e não "almoço"? E quando se fala "pregunta" ao invés de "pergunta"?
Você já pensou quando condena uma atitude "bairrista"?
Você usa o termo caipira para designar o primitivo e não civilizado?

Assista ao vídeo e construa ou reconstrua seus próprios conceitos. Mas não queira impô-los, permita aos outro que tenha a mesma oportunidade dada a você de pensar e aprender!
E parafraseando Antonio Cândido: "fale do que sabe não apenas como estudioso, mas como participante deste conhecimento"


Por que às vezes eu não escrevo.

Não desejar escrever é prerrogativa da qual não abro mão.
Silenciar tem a mesma propulsão que a busca sedenta por palavras que relevem meus pensamentos, sentimento e crenças.
(Anka Zhuravleva)

O que me impele ao silêncio tem natureza similar ao que me empurra para a escrita.

Grito ao mundo me calando. Anuncio a quietude da mente forjando palavras.

Arranjos sentidos omitindo vocábulos. Preencho papéis em branco subornando o vácuo.

Cumpro o dever de me comunicar me servindo do direito de não escrever.

Há quem não viva sem se alimentar de letras, lidas e escritas.
Há quem idolatre o silêncio.
(Anka Zhuravleva)



Eu preciso dos dois. Dispostos equilibradamente nas extremidades opostas da gangorra que é a vida.

Não suportaria ganhar para escrever. Mas gosto de trabalhar tendo a escrita como ferramenta fundamental.

Entre o dizer e o calar, prefiro ler.
(Anka Zhuravleva)
Prefiro incursionar muda para emergir coroada de textos que dizem aquilo que vi, sem cobranças, sem prazos, sem convenções.

Nem sempre consigo morder a língua para que as palavras pulem lestas e radiantes da ponta em que se encontram.

Nem sempre olho para algo e construo hipóteses que digam o que não foi dito, que versem antíteses.
Posso escolher cantar, fotografar, mas esquivo de escrever quando me falta o latim.

Quando o pensamento é fluídico e o coração pulsa leve, as palavras brotam impulsivas, reverberam das edificações intelectuais que guardo na alma, frutos do que vivi, li, ouvi, senti.

Aí é uma festa só, tecida em muitas letras, significantes e significados que se desprendem assim que podem da autoria de quem escreveu.

domingo, 13 de outubro de 2013

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

O que a leitura provoca em você?



Recomendo esse vídeo... não por ilustrar com imagens deliciosas o prazer de ler. Talvez por algumas palavras que visitam o cenário. Mas por despertar a sublime capacidade humana de pensar sobre o lugar que a leitura pode ocupar em nossas vidas.
O que a leitura provoca em cada um?
O que a leitura provoca em você?
A leitura provoca em mim um desejo enorme de escrever. Um desejo de brincar com as palavras de forma que traduzam o abstrato. 
A leitura me fornece elementos para estabelecer relações entre objetos que não se misturam, para buscar combinações improváveis, para promover classificações transgressoras.
A leitura conduz os corpos de um tom a outro, permite estar em vários lugares ao mesmo tempo sem os mínimos esforços de movimentos.
A leitura responde indagações particulares, pessoais com respostas na medida mais acertada para quem se destina, com respostas que desejamos ouvir, ou melhor, ler.
A leitura evoca a presença do que talvez não possa existir.
A leitura convoca mentes pensantes e adormecidas, espíritos curiosos e acomodados.
A leitura adormece dúvidas que ainda não merecem ser desveladas para, no dia seguinte, acordá-las sem a maior cerimônia.
A leitura simplesmente concede gratuitamente à autodescoberta...
Simplesmente cede espaço despretensiosamente à autocriação...
Não se furte ao direito de ler, mas se não há o desejo, se a sedução for insuficiente, não furte o direito de ler àqueles que não conhecem a leitura.
Ahhhh e não demore muito, como disse Flavia Savary, no texto Doce de Tereza, quando a sobremesa chega pode não haver espaço para saboreá-la!!!!





terça-feira, 1 de outubro de 2013

Em defesa do triângulo amoroso

Experiências venturosas nos propiciam uma incursão por dimensões que nem sempre podemos alcançar em situações ordinárias e cotidianas. Sim. Hoje cheguei lá. Posso dizer que, com absoluta certeza e com a propriedade de quem experimentou, três instrumentos são valiosos em nos conceder o sabor do néctar: a música, a leitura e a escrita, que protagonizam brilhantemente este espaço, entitulado "O som das palavras".
Participei nesta manhã de um encontro literário com a escritora colombiana Yolanda Reyes e pude ser apresentada ao conceito do "Triângulo Amoroso" por ela construído. 
Colocarei luz, pois, na leitura!
Antes de viajar pelas ideia que por ora habitam minha mente, acabei por direcionar minha curiosidade para a estrutura triangular das muitas coisas (até para me aproximar do tal triângulo amoroso) que cercam a história humana, contudo, limitei-me às mais próximas de mim.
O triângulo figura a filosofia da perfeição e do equilíbrio, da possibilidade de conjunção. Se adentrarmos na numerologia e na simbologia do número três, uma série de proposições despontarão. Sem a intenção de esvaziar a cultura ou apresentar um tratado em torno do número três, coloco aqui alguns instantâneos para contextualizar o que quero dizer: Santíssima Trindade, Praça dos Três Poderes, as três raças, os três pilares da educação, os três estados físicos da água e outros tantos três que o leitor poderá enumerar posteriormente.
Coincidência ou não, escrevo em meu blog tendo por referência o tripé música-leitura-escrita. Sutilezas da arte!
Enfim, quando Yolanda começou a dissertar docemente sobre este conceito, fundamental para o processo de aprendizagem da leitura, em seus aspectos literários, pelos nossos pequenos, entendi a engenharia do triângulo e como ele sustenta o objeto a que se propõe equilibrar. Para Yolanda, formar leitores implica uma arquitetura simples, posicionando-se estrategicamente três elementos: 


O desenho proposto sugere uma intencionalidade tal que não basta propiciar o célebre encontro entre criança e livro. Ganha destaque no 'ménage a trois' o adulto, não por marcar o encontro, mas por mediar o enlace. Leitor experiente que é, ou deveria ser, o mediador oferece pistas para o leitor aprendiz mergulhar nas profundezas das palavras, desvendar mistérios antes indissolúveis, encantar-se com os arranjos semânticos que comunicam o que não se faz presente, recontar e construir sua própria versão sobre a realidade que o cerca e que não consegue explicar.
Triângulo amoroso... de fato há que se deitar os olhos amorosamente sobre as palavras escritas para permitir que elas se revelem candidamente, sem ressalvas, reservas, resistência. Livro, criança e adulto devem ser, além de amantes, cúmplices incondicionais, negociando sentidos, aceitando a diversidade, preservando a poética, a estética e a ética.
Só assim será possível alcançar o objetivo máximo da leitura literária. Ouso aqui, transcrever o que diz Yolanda Reyes em seu livro "Ler e brincar, tecer e cantar":

"E embora ler literatura não transforme o mundo, pode fazê-lo ao menos mais habitável, pois o fato de nos vermos em perspectiva e de olharmos para dentro contribui para que se abram novas portas para a sensibilidade e para o entendimento de nós mesmos e dos outros"

O adulto/mediador precisa de todo cuidado para  manter intacto e resguardado este triângulo amoroso. Articular intenção e emoção, firmar o diálogo entre a didática e a poética, ter propósitos firmes e ternos e, eu acredito nisso, permitir entregar-se, deixando transparecer sua paixão pelo que faz.
Seduzir no lugar de impor e não se esquecer que o verdadeiro amor não pede nada em troca.